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Mostrando postagens de abril, 2021

Epifania

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Desejo por essa sensação. Como se fosse possível desejá-la... Como se fosse algo planejado! Porque então não seria o que é. O que desejo é mais que saber. É compreender, quiçá entender – quanta presunção! Quem de nós entende, se não apenas compreende... Ao menos vislumbrar o que pode ser. O querer. E assim, subitamente, celebraria: “Tive uma epifania!”

Jogo de damas

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Nunca jogava dominó. Ela gostava de jogar damas. E eles, tentando ser bons netos, sempre a deixavam ganhar. Mentira: ela é quem os deixava ganhar. Mas somente no início, enquanto não sabiam os truques do jogo. Da vida. Ela nunca teve um sentimento muito bem definido pela avó – única que sempre conheceu e conviveu, de fato. Lembrava-se daquela viagem à casa dos tios, quando ela apertou seu braço, no supermercado, exigindo obediência. Nunca se esquecera – e não devia ter nem seis anos de idade...   Ou quando lhe disse que parasse de pular como uma cabrita: a menina prontamente retrucara à senhorinha de cabelos eternamente acinzentados! Por que a neta agia assim com ela? Não sentia carinho ou afeto, parecia-lhe uma obrigação. Mas não tinha raiva, embora houvesse histórias que instigavam sua revolta e o ciúme dos primos. Parecia-lhe que era mais uma indiferença. Estranha para uma criança. Mas que cresceu. Cresceu num sentimento negado e no tempo. Mesmo quando a avó lhe presenteara em seu “

Intercâmbio à mineira

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Ela era mineira. Do tipo que se mudou de MG, mas que o coração doía de saudades do jeitim e dos queijos, trem que só quem é mineiro entende! Mas a vida tem que seguir sua rota e ela seguiu. Dona de um sorriso aberto e personalidade cativante, nem demorou a se adaptar à nova realidade. Mulher antenada, logo se adequou também ao universo virtual, aumentando suas possibilidades de expansão das fronteiras geográficas e culturais. Lúcia sempre foi daquelas que não tem papas na língua e que não dispensa um bom papo, independentemente da origem das palavras. E assim conheceu Luiz: um paranaense simpático, já na segunda idade (!). Lúcia achou que valia a pena dar uma chance – contrariando seu histórico de romances, já que ela sempre se envolvera com homens mais jovens e joviais - Luiz não era bem o tipo. Aposentado, viúvo, com filhos, netos e pai doente para cuidar, buscava uma companheira. Lúcia só queria companhia, a princípio. Desde seu último revés amoroso, ela evitava se comprometer. Entr

A sereia da Pampulha - Cap. 10 / Final

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Demorei um tempo pra me acostumar com a realidade: onde eu estava? Abri os olhos pra me dar conta: estava no meu quarto, na minha cama! Como assim? Eu estava na beirada da lagoa, tinha sentado no banco pra tirar um cochilo! Wanderley tinha ficado com meu telefone, pra registrar algo e/ou me acordar, no caso da esperada aparição! Olhei de novo à minha volta e não encontrei meu telefone... será? O que estava acontecendo, afinal? Faltava pouco pras 17h do dia 03 de fevereiro, uma quarta-feira. Naquele dia eu não estava escalada pra trabalhar presencialmente e tinha cochilado, depois do almoço – aparentemente. Estava com uma sensação estranha, que sempre me acompanhava quando tinha algum sonho intenso. Eu me lembrava claramente de tudo, de cada passo: tinha ido até a Lagoa da Pampulha, em busca de informações sobre a sereia! Tinha andado por ali, tentado entrar no parque, conversado com comerciantes, com os pescadores... até que pedi ajuda a um deles, Wanderley. E dormi em seguida. Teria s

A sereia da Pampulha - Cap. 9

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Tirei os tênis e larguei mochila, bolsa e tudo o mais no gramado à minha frente. Minha vontade era deitar no banco, mas considerei arriscado, abusar da sorte. Fechei os olhos e quase que imediatamente apaguei! A última imagem que vi foi Wanderley, aguardando os peixes, com meu telefone ao seu lado - ele tinha entendido minhas explicações. E o melhor, tinha se disposto a me ajudar! Então dormi, mesmo: um sono profundo, pesado, no qual se sonha ininterruptamente. Foi assim. No início eu não estava entendendo direito. Mas eu nadava, submersa. E aí tudo foi ficando claro: eu circulava livremente em meio a muitos peixes, numa água de um azul profundo, como profunda parecia aquela... lagoa! Não sentia necessidade de respirar, era-me natural estar ali, debaixo d’água. Olhei pra mim mesma: tinha os cabelos compridos, inteiros, de um negro intenso, caindo sobre os seios nus e as costas! Da cintura pra baixo, meu corpo era de peixe: eu era uma sereia! O espanto não durou mais que um segundo, log

A sereia da Pampulha - Cap. 8

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- Wanderley, você acredita mesmo na história da sereia? Já a viu alguma vez? - perguntei. - Ver, ver, eu não vi... mas já ouvi de outros pescadores que nem eu, que viram: que ela aparece e desaparece do nada! E sempre nuns horários assim, anoitecendo... será que hoje ela vem? Porque parece que ela não gosta muito de multidão e hoje a lagoa vai encher! – respondeu. Pensei: prefiro que a lagoa se esvazie, pelo menos da sereia, Wanderley... Tentei: - Preciso de sua ajuda numa ideia que tive: pode ser? É porque estou até meio zonza, de um sono que tá me dando e não estou me controlando! E tem aquele banco ali, me chamando, mas eu queria muito filmar a lagoa... você ainda vai ficar por aqui um tempo? Wanderley me encarou, entre surpreso, curioso e desconfiado: naquela altura dos meus esforços em ficar acordada, distinguir qual era a emoção predominante era-me impossível! Mas enfim a curiosidade venceu e ele aproveitou pra lançar seu anzol também: - Estou sempre disposto a uma pescaria, não

Cerimonial

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Em busca de me expressar, encontrei no universo tecnológico um modelo de “carta essencial”: nada mais apropriado. Ela latejava em mim. Necessária. Eu protelava, porque sabia que seria difícil. Como o é: sentir que o tempo passou e o que ele tragou. Nosso tempo passou? Aparentemente sim. Apegamo-nos ao que nos acostumamos, receosos de deixar ir. Entretanto, sinto as ausências: aqui e ali, presentes. As motivações já não são mais as mesmas, os desejos são distintos. E tudo assim, num crescendo do distanciamento se instalando. As palavras são estudadas, comedidas, consternadas. O natural tornou-se constrangedor. Não sabemos mais ser nós, somos flashes do que fomos. Ou um arremedo do que poderíamos ser. Escolhas que fazemos, caminhos que escolhemos. Tentamos conciliar os mundos, mas se torna tarefa árdua: eles (nós?) se encontram povoados de quereres outros, agora. Enganamo-nos com planos e ideias ideais: a realidade se nos apresenta, indigesta. Desconfortamo-nos com nossas presenças, teme